quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Life in a movie #1

O blog é sobre séries (e, às vezes, algum assunto nada a ver com elas, nos Hiatus), mas ontem assisti a um filme que preciso comentar e apesar da minha mania de separar as coisas, não vou criar outro blog pra falar de filmes.

Meus motivos para trocar uma adorável tarde de sono por um filme foram dois: primeiro, porque minha mãe havia assistido e falou que o protagonista era a minha cara - "um cara chato que odeia todo mundo", segundo ela -; e segundo porque o referido protagonista é ninguém menos que Larry David, co-criador da minha série favorita, Seinfeld.

Antes de falar da história, e já que dizem que eu sou parecida com ele mesmo, vou reclamar: o título desse filme em português não tem nada a ver com o original. "Whatever works" é uma expressão que significa, literalmente, "qualquer coisa que funcione". É o lema de vida do personagem principal do filme. Você não precisa amar uma coisa ou pessoa para conseguir tolerar. Se funciona pra você, ok.

Tudo Pode Dar Certo (Whatever Works, 2009), 92 min.
Direção: Woody Allen
Roteiro: Woody Allen
Com: Larry David, Evan Rachel Wood, Patricia Clarkson, Carolyn McCormick, Yolanda Ross, Michael McKean, Nicole Patrick, Lyle Kanouse, Adam Brooks, Ed Begley Jr.


O filme começa com Boris Yellnikoff (Larry David), um físico sexagenário, em uma mesa de bar conversando (eufemismo para discutindo) com dois amigos (os únicos que o suportam). Depois de discutir algum assunto e reclamar de algumas coisas, ele olha para a câmera e fala com o público. E aí, logo no começo do filme, ele já faz um de seus discursos pessimistas e fatalistas sobre o mundo e a humanidade.

Por que vocês querem ouvir minha história?

Nós nos conhecemos? Nós gostamos um do outro?
Deixe-me te dizer logo, ok? Eu não sou um cara simpático. Charme nunca foi prioridade pra mim. E só quero que saiba que esse não é um daqueles filmes bonzinhos do ano. Então, se você é um desses idiotas que precisam disso para se sentir bem, vá fazer uma massagem nos pés.

Que diabos isso tudo significa, afinal? Nada, zero, nadinha. Nada leva a alguma coisa, e ainda não faltam idiotas para balbuciar.


Boris dá aulas de xadrez para crianças, apesar de odiá-las (e que ser humano ele não odeia?). E ele não faz questão nenhuma de esconder esse ódio, como quando, por exemplo, a mãe de um aluno seu o aborda no restaurante, indignada: "Você jogou o tabuleiro na cabeça do meu filho??" E ele, na maior honestidade sádica, responde algo tipo: "Joguei mesmo, e faça-me um favor, não me mande mais aquele cretino. Não posso ensinar xadrez a um cabeça-oca! Seu filho é um imbecil, ensine a ele algum jogo bobo, não xadrez."

Ele se acha um gênio porque já foi indicado ao Prêmio Nobel e faz questão de esfregar isso na cara de todo mundo. Sua "superioridade intelectual" somada à completa falta de paciência para tolerar pessoas menos favorecidas intelectualmente, gera diálogos sarcásticos a respeito de quase tudo. E ele xinga a pessoa na cara dela mesmo, como faz com a sogra e o sogro, quando eles aparecem de surpresa em sua casa.

Como dá pra perceber, ele tem uma visão muito particular da vida, e logo de cara podemos caracterizar como pessimista ao extremo, além de ser hipocondríaco, ter TOC e não gostar de sexo. E uma habilidade incrível de ver o lado ruim de tudo. Sua vida muda quando aparece na porta de sua casa a jovem Melodie Celestine (Evan Rachel Wood), que fugiu de casa. Ele reclama, xinga a menina, despreza a inocência e a falta de inteligência dela, mas acaba deixando que ela passe a noite no sofá da sala.

Desisto. Durma no sofá, imbecil. Tô muito cansado pra prolongar essa troca brutal entre um micróbio deplorável e um pensador nível Nobel.


Com certeza deve ter dedo do David na concepção do personagem e na forma como as situações são mostradas, pois essa forma "simples e clara" de se lidar com problemas sérios era praticamente a base de toda a série que ele produziu com Jerry Seinfeld. Ou então é muita coincidência. No filme, acontecem coisas absurdas e dramáticas, como o sogro abandonar a sogra e trocá-la pela melhor amiga dela, e logo depois descobrir-se gay. Mas nada, absolutamente nada nesse filme é tratado com qualquer pitada de drama. Se o expectador se emocionar com alguma cena, será por sua própria conta, pois não é propriamente induzido a isso, como na maioria dos filmes que vemos. Traição, separação, paixão, carência, é tudo abordado com ironia, sarcasmo e só isso.

Quanto às críticas, acho que o grande problema desse filme é a fama do Woody Allen. A expectativa em torno desse filme é que ele fosse genial, brilhante, que superasse todos os outros quarenta e tantos, e muita gente se decepcionou com essa comédia. Em sugiro que se esqueça o passado de um diretor ou roteirista quando se vê um filme. Analisar o filme baseado apenas nele mesmo. Só assim podemos apreciar uma obra como ela é realmente, com seus defeitos e genialidades.



Curiosidade: O roteiro do filme foi escrito em 1977, mas não foi produzido naquele ano porque o ator para quem Woody Allen havia escrito o personagem Boris, morreu.

Nenhum comentário: